Jornal O Globo – Niterói
HIP HOP A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO
Professora Soyane Vargas
Professora Soyane Vargas
Entrevista completa ao Jornalista Leonardo Sodré
http://oglobo.globo.com/rio/niteroi/
http://oglobo.globo.com/rio/bairros/sucesso-do-hip-hop-entre-os-jovens-estimula-iniciativas-educacionais-14353994?topico=niteroi
http://oglobo.globo.com/rio/bairros/sucesso-do-hip-hop-entre-os-jovens-estimula-iniciativas-educacionais-14353994?topico=niteroi
Quando você conheceu a cultura hip hop e como surgiu a ideia de levá-la
para as suas aulas?
Meu primeiro contato,
profissionalmente, com o hip hop foi
no início da década de 90 em cursos de aperfeiçoamento, com o grupo de Dança de
Rua de Santos/SP, do professor Marcelo Cirino. Era um projeto da prefeitura
daquela cidade, que envolvia mais de 2000 crianças e adolescentes. Depois da
experiência com esse grupo e, com outros profissionais da área, implementei o hip hop em minhas aulas de academia e
formei um dos primeiros grupos de hip hop
em São Gonçalo/RJ, com o nome de Aerofunk.
Naquela época era de fato uma novidade e tivemos sucesso garantido, com muitas
participações em eventos e referências em jornais locais.
Em 2004, quando iniciei como professora
de educação física, no município de Niterói na Escola Municipal Paulo Freire, realizei
uma avaliação diagnóstica em uma das turmas do 8º ano de escolaridade. Naquela
avaliação surgiu dos estudantes a proposta de usar o hip hop, como um dos conteúdos das aulas de educação física. Eles
estavam tão motivados, que resolvi apresentar um projeto à direção daquela
unidade de ensino, com nome de “Hip hop
na escola”, onde obtive apoio da direção e da Fundação Municipal de Educação
(FME). O projeto foi um sucesso, fomos selecionados na etapa do Rio de Janeiro
para prêmio ‘Arte escola Cidadã’, incluímos meninos e meninas em uma mesma
atividade, incluímos pessoas com e sem deficiência, formamos um grupo com
muitos estudantes com deficiência auditiva, que chegou a se apresentar em um
programa da TV paga, em escolas e em hospitais infantis; além disso, publiquei
um relato dessa experiência em Buenos Aires http://www.efdeportes.com/efd90/hiphop.htm
No que o hip hop contribui para a educação das crianças?
Pode contribuir muito na forma como aplicamos o Hip Hop. Este movimento em sua essência
tem um caráter crítico e político. Difundiu-se nos guetos de Nova York, mas tem sua origem na Jamaica,
por volta de 1960, aonde a população mais economicamente frágil, com poucas
opções de lazer, ia para as ruas e ouvia músicas em sound systems (sistemas de som). Enquanto as
músicas tocavam, uma espécie de mestre de cerimônia (MC) discursava sobre as
carências da população, os problemas econômicos e a violência nas comunidades, caracterizando
o RAP (rythm and poetry – ritmos e
poesia) como um dos elementos do movimento hip
hop. Além desse caráter crítico, que contribui para reflexão do tipo de
sociedade em que vivemos, foi possível observar, em nosso projeto, que o hip hop contribuiu para educação das
crianças, no que tange ao maior contato entre meninos e meninas de idades
diferenciadas; estímulo a construção da autodisciplina e da organização; à
inclusão de estudantes com deficiências, a construção de conhecimento sobre a
história e os elementos do hip hop, a
relação com alguns compositores da música popular brasileira e, para
valorização da cidadania daquelas crianças, com a construção de um currículo
que partiu do desejo e da realidade daquele local.
Quais projetos já realizou e quais ainda pretende realizar nesta área
(por favor, mencione as instituições e onde ficam)?
Como disse anteriormente formei um
grupo em São Gonçalo, no clube Tamoio e na antiga academia Sport Brazil na década de 90; depois tivemos essa experiência na
Escola Municipal Paulo Freire, em Niterói. Na mesma cidade, na Escola Municipal
Ernani Moreira Franco, com a sugestão de uma das professoras regentes;
introduzimos o ritmo hip hop em um
brinquedo cantado, com a coreografia “a barata diz que tem...”, que foi
apresentado em um evento nacional de educação física, na Universidade Federal
Fluminense (UFF). Recentemente, realizamos esse projeto na Escola Municipal
André Trouche, também em Niterói e, em 2014, coordenei o projeto de Flash Mob em 05 (cinco) escolas da rede
municipal, com apoio da FME e com a parceria do grupo de dança de rua COMRUA,
para o evento do 4º salão da Leitura de Niterói. Além de artigos e palestras
sobre esse tema. Sempre que o hip hop tem relação com o projeto que está sendo
desenvolvido pela escola, desenvolvo esse tipo projeto em minhas aulas e, se
tiver outra oportunidade, voltarei a ter um projeto específico.
Como é a receptividade, dos projetos de hip hop que você desenvolve, nas
instituições de ensino em que você trabalha?
Na primeira experiência na escola,
apesar do apoio da maioria, ainda ouvia de alguns professores que esse tipo de
projeto era muito fácil ‘agradar’ os estudantes, como se os mesmos não tivessem
acesso a mais nenhum outro tipo de música. O que não era real, porque durante o
projeto debatíamos tudo e descobri que muitos deles ouviam em casa outros tipos
de música, como samba, rock, entre outros.
Nas outras escolas atualmente, sou muito solicitada para desenvolver
esse tipo de dança, mas sempre de forma crítica e contextualizada para que
possamos ir além do senso comum e quebrar preconceitos, que ainda existem em
relação a esse movimento.
Como é a receptividade junto aos alunos? Na sua observação, quais os
benefícios que essas atividades trazem para a educação deles? Pode relatar
algum caso interessante?
A receptividade junto aos alunos é
sempre boa, porque é uma das únicas danças que os meninos não criam muita
resistência em participar, onde unimos de fato meninos e meninas. Acredito que
atividades como essa são um ponto de partida, para construção de outros tipos
de conhecimento. Em uma escola, um projeto de hip hop não deve ser um fim em si mesmo, mas algo que contribua
para estimular a busca pelo conhecimento de crianças e adolescente. A dança foi
libertadora em minha história de vida, por isso acredito no potencial desse
tipo de trabalho. Muitos casos interessantes acontecem, vou citar apenas
alguns:
Um deles foi a apresentação na UFF,
em um evento com a presença de especialistas, mestres e doutores, com o atraso
de um dos grupos, perguntamos qual das coreografias a platéia gostaria de
rever, o púbico no auditório Florestan Fernandes gritava em sua maioria:
“barata, barata, barata” se referindo a coreografia da junção do hip hop com um brinquedo cantado.
Outro caso interessante foi observar
a motivação de estudantes com deficiência auditiva, que demonstravam surpreendente
habilidade nesse tipo de dança. Um outro foi ver uma das crianças com
deficiência múltipla, no dia da apresentação reproduzir, espontaneamente, todo
trabalho que fazíamos com ela de estimulação através do hip hop, fato que emocionou a mim, á família dele e a professora
regente.
Outro caso foi a mixagem que fiz com
a música de Cartola “O morro não tem vez”, interpretada por Elis Regina, as
crianças viviam cantarolando essa música pela escola ampliando seu interesse
pela MPB também.
Além disso, as habilidades motoras
demonstradas através do hip hop são
impressionantes.
E junto aos pais, como é a
receptividade destes projetos?
Em geral, a receptividade é
boa, mas já tive casos de estudantes que não puderam participar do projeto hip hop, das aulas de capoeira e das
coreografias com samba, porque a doutrina religiosa seguida pela família deles
não permitia esse tipo de atividade, o mais impressionante é que esse tipo de
preconceito tem muita relação com as manifestações afrodescendentes e o hip hop foi incluído nessa
discriminação. Mas, felizmente, foram raros esse tipo de ocorrência.