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domingo, 26 de outubro de 2014

Jornal O Globo – Niterói: Hip Hop a serviço da educação

Jornal O Globo – Niterói
HIP HOP A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO
Professora  Soyane Vargas
Entrevista completa ao Jornalista Leonardo Sodré
Dia 26/10/2014




Quando você conheceu a cultura hip hop e como surgiu a ideia de levá-la para as suas aulas?

Meu primeiro contato, profissionalmente, com o hip hop foi no início da década de 90 em cursos de aperfeiçoamento, com o grupo de Dança de Rua de Santos/SP, do professor Marcelo Cirino. Era um projeto da prefeitura daquela cidade, que envolvia mais de 2000 crianças e adolescentes. Depois da experiência com esse grupo e, com outros profissionais da área, implementei o hip hop em minhas aulas de academia e formei um dos primeiros grupos de hip hop em São Gonçalo/RJ, com o nome de Aerofunk. Naquela época era de fato uma novidade e tivemos sucesso garantido, com muitas participações em eventos e referências em jornais locais.
Em 2004, quando iniciei como professora de educação física, no município de Niterói na Escola Municipal Paulo Freire, realizei uma avaliação diagnóstica em uma das turmas do 8º ano de escolaridade. Naquela avaliação surgiu dos estudantes a proposta de usar o hip hop, como um dos conteúdos das aulas de educação física. Eles estavam tão motivados, que resolvi apresentar um projeto à direção daquela unidade de ensino, com nome de “Hip hop na escola”, onde obtive apoio da direção e da Fundação Municipal de Educação (FME). O projeto foi um sucesso, fomos selecionados na etapa do Rio de Janeiro para prêmio ‘Arte escola Cidadã’, incluímos meninos e meninas em uma mesma atividade, incluímos pessoas com e sem deficiência, formamos um grupo com muitos estudantes com deficiência auditiva, que chegou a se apresentar em um programa da TV paga, em escolas e em hospitais infantis; além disso, publiquei um relato dessa experiência em Buenos Aires http://www.efdeportes.com/efd90/hiphop.htm  

No que o hip hop contribui para a educação das crianças?

Pode contribuir muito na forma como aplicamos o Hip Hop. Este movimento em sua essência tem um caráter crítico e político. Difundiu-se nos guetos de Nova York, mas tem sua origem na Jamaica, por volta de 1960, aonde a população mais economicamente frágil, com poucas opções de lazer, ia para as ruas e ouvia músicas em sound systems (sistemas de som). Enquanto as músicas tocavam, uma espécie de mestre de cerimônia (MC) discursava sobre as carências da população, os problemas econômicos e a violência nas comunidades, caracterizando o RAP (rythm and poetry – ritmos e poesia) como um dos elementos do movimento hip hop. Além desse caráter crítico, que contribui para reflexão do tipo de sociedade em que vivemos, foi possível observar, em nosso projeto, que o hip hop contribuiu para educação das crianças, no que tange ao maior contato entre meninos e meninas de idades diferenciadas; estímulo a construção da autodisciplina e da organização; à inclusão de estudantes com deficiências, a construção de conhecimento sobre a história e os elementos do hip hop, a relação com alguns compositores da música popular brasileira e, para valorização da cidadania daquelas crianças, com a construção de um currículo que partiu do desejo e da realidade daquele local. 

Quais projetos já realizou e quais ainda pretende realizar nesta área (por favor, mencione as instituições e onde ficam)? 

Como disse anteriormente formei um grupo em São Gonçalo, no clube Tamoio e na antiga academia Sport Brazil na década de 90; depois tivemos essa experiência na Escola Municipal Paulo Freire, em Niterói. Na mesma cidade, na Escola Municipal Ernani Moreira Franco, com a sugestão de uma das professoras regentes; introduzimos o ritmo hip hop em um brinquedo cantado, com a coreografia “a barata diz que tem...”, que foi apresentado em um evento nacional de educação física, na Universidade Federal Fluminense (UFF). Recentemente, realizamos esse projeto na Escola Municipal André Trouche, também em Niterói e, em 2014, coordenei o projeto de Flash Mob em 05 (cinco) escolas da rede municipal, com apoio da FME e com a parceria do grupo de dança de rua COMRUA, para o evento do 4º salão da Leitura de Niterói. Além de artigos e palestras sobre esse tema. Sempre que o hip hop tem relação com o projeto que está sendo desenvolvido pela escola, desenvolvo esse tipo projeto em minhas aulas e, se tiver outra oportunidade, voltarei a ter um projeto específico.

Como é a receptividade, dos projetos de hip hop que você desenvolve, nas instituições de ensino em que você trabalha?

Na primeira experiência na escola, apesar do apoio da maioria, ainda ouvia de alguns professores que esse tipo de projeto era muito fácil ‘agradar’ os estudantes, como se os mesmos não tivessem acesso a mais nenhum outro tipo de música. O que não era real, porque durante o projeto debatíamos tudo e descobri que muitos deles ouviam em casa outros tipos de música, como samba, rock, entre outros.  Nas outras escolas atualmente, sou muito solicitada para desenvolver esse tipo de dança, mas sempre de forma crítica e contextualizada para que possamos ir além do senso comum e quebrar preconceitos, que ainda existem em relação a esse movimento.

Como é a receptividade junto aos alunos? Na sua observação, quais os benefícios que essas atividades trazem para a educação deles? Pode relatar algum caso interessante?

A receptividade junto aos alunos é sempre boa, porque é uma das únicas danças que os meninos não criam muita resistência em participar, onde unimos de fato meninos e meninas. Acredito que atividades como essa são um ponto de partida, para construção de outros tipos de conhecimento. Em uma escola, um projeto de hip hop não deve ser um fim em si mesmo, mas algo que contribua para estimular a busca pelo conhecimento de crianças e adolescente. A dança foi libertadora em minha história de vida, por isso acredito no potencial desse tipo de trabalho. Muitos casos interessantes acontecem, vou citar apenas alguns:
Um deles foi a apresentação na UFF, em um evento com a presença de especialistas, mestres e doutores, com o atraso de um dos grupos, perguntamos qual das coreografias a platéia gostaria de rever, o púbico no auditório Florestan Fernandes gritava em sua maioria: “barata, barata, barata” se referindo a coreografia da junção do hip hop com um brinquedo cantado.
Outro caso interessante foi observar a motivação de estudantes com deficiência auditiva, que demonstravam surpreendente habilidade nesse tipo de dança. Um outro foi ver uma das crianças com deficiência múltipla, no dia da apresentação reproduzir, espontaneamente, todo trabalho que fazíamos com ela de estimulação através do hip hop, fato que emocionou a mim, á família dele e a professora regente.
Outro caso foi a mixagem que fiz com a música de Cartola “O morro não tem vez”, interpretada por Elis Regina, as crianças viviam cantarolando essa música pela escola ampliando seu interesse pela MPB também.
Além disso, as habilidades motoras demonstradas através do hip hop são impressionantes.

E junto aos pais, como é a receptividade destes projetos?


Em geral, a receptividade é boa, mas já tive casos de estudantes que não puderam participar do projeto hip hop, das aulas de capoeira e das coreografias com samba, porque a doutrina religiosa seguida pela família deles não permitia esse tipo de atividade, o mais impressionante é que esse tipo de preconceito tem muita relação com as manifestações afrodescendentes e o hip hop foi incluído nessa discriminação. Mas, felizmente, foram raros esse tipo de ocorrência.