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segunda-feira, 17 de abril de 2017

Método Holos: uma proposta para a dança inclusiva com cadeira de rodas

Profª Ms Soyane Vargas e Prof. Ms José Guilherme Almeida

Resumo

Holos é uma palavra grega que significa holístico ou holismo. Nessa visão holística consideramos que o ser humano ou outros organismos não podem ser explicados pela soma de suas partes, mas levamos em consideração o todo, defendendo que o todo determina o comportamento de suas partes. Na visão holística o mundo está integrado como um organismo (CAPRA, 1982).

Didática:
¢Objetivo: para que ensinar?
¢Conteúdo: o que ensinar?
¢Método: Como ensinar?

Dança
A dança tem se apresentado como uma excelente possibilidade de integrar pessoas com e sem deficiência, na prática de atividades físicas e no acesso à arte. A proposta de unir pessoas com e sem deficiência sob a mesma prática exige uma especificidade que não é atendida pelos modelos estabelecidos, sem negar o conhecimento produzido até o presente, pois é nele que nos baseamos para direcionar a prática da dança inclusiva.

Procedimentos que antecedem 
à aula
Verificados os quesitos da acessibilidade, passamos ao direcionamento individual da proposta para cada aluno, sendo essencial conhecê-lo a partir da anamnese (idade, histórico do tipo de deficiência, da evolução, das práticas em reabilitação e atividades físicas e expectativas dos alunos) e, especialmente, da avaliação funcional dos movimentos existentes e dos sentidos remanescentes. No caso de usuários de cadeira de rodas, avaliamos o domínio das técnicas de manejo da cadeira de rodas, a funcionalidade do tronco e membros superiores. No caso de pessoas com outras deficiências, a coordenação motora, o equilíbrio, o deslocamento e a amplitude de movimentos. Por isso, um pré-requisito importante é o conhecimento das características principais de cada tipo de deficiência, em geral, para correlacioná-las com as características individuais de cada pessoa, em particular.
    Uma exigência para a segurança tanto do aluno quanto do profissional no desenvolvimento da proposta deve ser a apresentação do atestado médico.

A aula propriamente dita

Após todo o procedimento de preparação, passamos ao desenvolvimento da aula propriamente dita de dança inclusiva com cadeira de rodas, subdividindo didaticamente a seguir, para melhor compreensão e organização.

Primeira parte: preparação 
para a aula

Ao iniciarmos a aula, observamos a importância do contato professor/aluno/bailarino, especialmente ao postularmos o papel da relação entre estes, essencial na mediação do conhecimento e no alcance dos objetivos propostos. Quando o professor inspira confiança pelo conhecimento que possui, boa capacidade de comunicação, empatia, atenção e flexibilidade na relação com o aluno/bailarino, pode favorecer a maior disponibilidade deste para realização das atividades propostas em aula.
    Nesse momento, propomos conversar sobre a aula, contextualizando o conteúdo proposto, considerando os conhecimentos trazidos pelos alunos/bailarinos para traçar os objetivos, direcionar sua estrutura, aprimorar conceitos rítmicos e/ou utilizar dinâmicas que estimulem a atenção, a concentração, a expressão facial e corporal. Utilizamos uma duração de 5 a 15 minutos para estas atividades.

Segunda parte: aquecimento corporal
Essa etapa da aula tem como objetivo preparar o corpo buscando condições ótimas pra melhoria da condição orgânica para o esforço, melhoria da capacidade geral de coordenação dos movimentos, otimização psicológica para o esforço e prevenir lesões (FARIA JUNIOR, 1999).
    Além dos objetivos fisiológicos, devemos nos valer desse momento para a interação entre os alunos e para estimulá-los na participação da aula.
    Dentre as atividades utilizadas nessa parte estão: movimentação de diversos músculos e articulações, deslocamentos em diferentes planos e direções, alongamentos, jogos teatrais dinâmicos, entre outras relacionadas ao movimento, ao ritmo e a expressividade. Propomos uma duração de 5 a 15 minutos.
    É importante lembrar que os movimentos devem ser direcionados às possibilidades e especificidades de cada aluno. Por exemplo, os usuários de cadeira de rodas demandam um aquecimento maior dos membros superiores do que os andantes, e os andantes demandam expressivo aquecimento dos membros inferiores, de forma que as propostas devem atender às especificidades de todos os alunos.
Terceira parte: aperfeiçoamento 
da técnica

 De acordo com a proposta coreográfica, aprimoramos a técnica a ser utilizada. Consideramos um momento importante, que necessita respeitar os níveis de conhecimento do profissional em relação ao estilo de dança que ele domina e a técnica específica da dança em cadeira de rodas, que aqui é defendida como um estilo próprio.
    Durante 15 ou 30 minutos, trabalhamos de forma diferenciada de acordo com a necessidade e potencial de cada aluno/bailarino. É preciso levar em consideração as habilidades motoras, os conhecimentos prévios, o condicionamento físico, as características da deficiência e a adaptação do sujeito a elas, de forma a direcionarmos as propostas eficientemente, proporcionando um desenvolvimento qualitativo do ser na dança.
    Dividindo a turma em grupos pra melhor organização e andamento da aula, propomos, por exemplo, para os andantes o desenvolvimento das técnicas já estabelecidas pela dança ordinária (balé clássico, jazz dance, dança contemporânea, etc.). Desde deslocamentos até giros e saltos, respeitando a proposta adotada pela turma, desenvolvemos o potencial individual do aluno/bailarino.
    Para usuários de cadeira de rodas, o domínio das técnicas de manejo da cadeira de rodas é essencial no desenvolvimento da autonomia, diversidade e fluidez (ALMEIDA, BOMFIM, 2013). Diversas habilidades podem ser desenvolvidas nesse momento, como: deslocamento para frente; deslocamento para trás; giro completo; meio giro; 1/4 giro; virar na diagonal; giro em volta; passar por cima; sair da cadeira; inclinação lateral; empinar frontalmente e empinar para trás, por exemplo. Podendo utilizar velocidades e intensidades diferentes, variando os direcionamentos, entre outros estímulos. Esses exercícios podem ser propostos em correlação com a música, dificultados com obstáculos e realizados em interação com um parceiro cadeirante.
    Enquanto isso, para pessoas com deficiência visual, podemos desenvolver o equilíbrio e a percepção rítmica através do tato, além de estimular o desenvolvimento das técnicas já estabelecidas pela dança ordinária com especial atenção ao desenvolvimento da consciência corporal por meio do direcionamento oral e tátil.
    Dessa forma, buscando os pontos necessários a cada um, podemos seguir realizando adaptações para pessoas com deficiência auditiva, deficiência intelectual, idosos, entre outros.
    Além dessas propostas por grupo, desenvolvemos momentos de interação, especialmente em duplas, priorizando as formações de uma pessoa com e outra sem deficiência, ou de duas pessoas com deficiências/potencialidades diferentes.
 Quarta parte: composição
 Esta fase tem por objetivo a utilização da técnica desenvolvida na composição coreográfica. Ao longo de 15 ou 30 minutos, podemos definir um tema e uma música/trilha sonora, e a partir das técnicas trabalhadas e as que os alunos/bailarinos já possuem, buscamos desenvolver uma composição coreográfica.
    No processo de composição é imprescindível utilizarmos a pesquisa de movimentos que comuniquem o tema escolhido, especialmente abrindo espaço para que os alunos possam explorar suas possibilidades. A interação entre os alunos/bailarinos também se faz essencial, tanto no quesito espaço e tempo, como na realização de movimentos em dupla, trio ou grupo.
    Juntamente ao processo de composição, definimos os desenhos da coreografia, os quais devem ser cuidadosamente pensados para que a pessoa com deficiência, em especial os usuários de cadeira de rodas não sejam encobertos por alunos/bailarinos sem deficiência, tanto em localização quanto em exibição (performance). Temos preferência por colocar as pessoas com deficiência em evidência tanto quanto os alunos/bailarinos sem deficiência, sob a intenção de ressignificar suas relações sociais e sua presença no palco em equidade. Todos devem assumir um papel importante na coreografia.
Quinta parte: finalização
Num período final de 5 a 10 minutos, objetivamos retornar a um estado fisiológico mais próximo do repouso, compensando os estresses produzidos durante a aula, nos valendo de atividades com alongamentos e relaxamento corporal.
    É importante considerar que, numa turma de dança inclusiva com cadeira de rodas, os diferentes sujeitos se valem de diferentes movimentos, culminando em diferentes esforços e estresses. Sendo assim, precisamos direcionar um relaxamento que se adéqüe às possibilidades e necessidades corporais de cada sujeito presente na aula.
    Por exemplo, usuários de cadeira de rodas necessitam de maior relaxamento nos membros superiores e no tronco, em especial, na região lombotorácica da coluna vertebral, enquanto isso, pessoas sem deficiência podem necessitar de maior relaxamento nos membros inferiores, e pessoas que utilizam muletas tendem a necessitar de maior relaxamento na região cervical e dos ombros.

Algumas considerações
Ao longo desses anos temos conseguido realizar trabalhos coreográficos com qualidade artística, aprimorando o potencial dos alunos/bailarinos com e sem deficiências, com grande possibilidade de melhoria da qualidade de vida dos praticantes. No entanto, encaramos cada aula e cada novo trabalho como um desafio a ser enfrentado, especialmente por saber que, antes de tudo, lidamos com seres humanos que são influenciados e influenciam significativamente em todo processo.
    Nossa proposta tem por eixo central a participação em igualdade de condições, construída a partir da valorização do potencial individual de cada sujeito; ou seja, valorizando-o numa perspectiva holística, independente deste possuir deficiência ou não. Com o estabelecimento de cinco (05) partes para o direcionamento do trabalho, buscamos oferecer subsídios para o desenvolvimento de uma dança que transcenda propostas com um tipo de deficiência, um nível de habilidade e um tipo corpo específico, possibilitando a inclusão de diferentes sujeitos na dança.
    Propomos um método sistematizado mas não fechado, (re)construindo-o a partir de novas experimentações realizadas a cada aula, e a medida que interagimos e aprendemos com todos. 

Referência Bibliográficas
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